segunda-feira, 26 de março de 2007

Livros: convite à leitura

A Bizâncio tem uma nova colecção de livros: Filosoficamente. Atenta que costumo estar a novas publicações nesta área, pareceu-me ser uma boa aquisição, a do primeiro título da colecção: "Como se faz um Filósofo: a minha viagem na Filosofia do séc. XX" de Colin McGinn.
Trata-se de um livro interessante, bem escrito, cheio de pensamentos claros, em grande parte impregnado de um olhar que se situa na perspectiva da filosofia analítica. Embora esta designação possa ser "um rótulo demasiado limitado", segundo palavras do próprio autor, uma vez que não é exactamente essa a proposta de discussão apresentada pelo livro. De facto, há que reconhecer: consegue interessar-nos vivamente! O autor assinala o seu objectivo principal, o de chamar a atenção para as questões filosóficas, dado o seu interesse intrínseco. Parece-me, ainda, ter como objectivo divulgar o trabalho que se vai realizando no âmbito da Filosofia académica contemporânea.

Apesar de considerar que a filosofia não pode reduzir-se por inteiro a este tipo de análise, considero ser um excelente trabalho de divulgação, o qual certamente tem tudo para chegar ao grande público. Recomenda-se a leitura a todos, desde os estudantes de Filosofia até ao leitor comum, já que é super agradável, nada maçadora e muito estimulante. A linguagem é extremamente acessível e as questões abordadas, como não poderia deixar de ser, muitíssimo interessantes.

A revisão científica é de Desidério Murcho, King's College, Londres, assim como a direcção da colecção. Para os interessados, como eu, é bom estarem atentos às próximas publicações.

Sobre a Colecção, pode ler-se na contracapa: " Filosoficamente é uma aposta da Bizâncio para apresentar, quer ao grande público, quer aos estudantes e professores, obras de Filosofia de natureza diversa, criteriosamente seleccionadas e imprescindíveis."

Sobre o autor é-nos dito o seguinte: " Colin McGinn frequentou a Universidade de Oxford onde foi também professor. É um dos mais importantes filósofos da actualidade, tendo escrito inúmeros artigos sobre Filosofia e os filósofos em publicações como a New York Review of Books, London Review of Books, New York Times Book Review, etc. Já escreveu diversos livros de Filosofia e publicou um romance. Ensina na Rutgers University e vive em Nova Iorque."

Alguns excertos que selecciono:

" O que haveria eu de fazer, porém, depois de ter decidido que os problemas da Filosofia que mais me interessavam não poderiam ser resolvidos? Continuar a explicar aos outros por que razão as suas ambições filosóficas são inúteis? Achar outra coisa em que trabalhar que me desse mais esperanças de progresso? Por acaso, uma das cadeiras que oferecíamos em Rutgers não tinha professor aquele ano - Problemas Filosóficos na Literatura. Ofereci-me para dar a cadeira, apesar de nunca ter ensinado nada do género antes. A minha intenção, (...), consistia em usar obras de literatura como materiais para uma cadeira de ética. O meu próprio interesse na escrita ficcional foi um dos motivos, mas também gostava da ideia de me voltar para algo completamente novo; (...). O objectivo era fazer uma cadeira sobre o tema negligenciado da vida."

" O principal resultado de dar esta cadeira,(...), foi ter escrito um livro intitulado Ethics, Evil and Fiction (...). Um dos capítulos intitula-se «A Personagem Perversa», no qual tentei delinear e explicar a psicologia de uma pessoa perversa. Também isto me levou mais um par de vezes a aparecer na televisão, nas quais discuti vários psicopatas e malfeitores. As personagens nos romances que estava a leccionar foram um estímulo para este trabalho, mas alguns dos acontecimentos nas notícias também me impeliram a considerar outras personagens malfeitoras, (...). O meu tema geral era o de que personagens perversas invertem a empatia normal que sentimos pelo sofrimento alheio: em vez de sofrerem quando os outros sofrem, divertem-se com o sofrimento alheio. O sádico é precisamente alguém que retira prazer do sofrimento alheio. Distingui os motivos do sádico puro dos daquelas pessoas que são instrumentalmente más: uma pessoa pode causar sofrimento aos outros com o objectivo de conseguir outra coisa, por exemplo, através de um roubo violento, mas o sádico é alguém que causa sofrimento aos outros sem outra razão para o fazer.
É o que classificamos de pura malvadez. A personagem James Claggart, em Billy Budd, é o puro mal, pois procura destruir o inocente Billy sem outra razão a não ser destruí-lo; não retira qualquer benefício, como promoção, da desejada destruição. Sugeri que uma profunda inveja existencial tem um grande papel neste tipo de mal - principalmente a inveja da virtude e da inocência. Claggart queria Billy morto por causa do seu sentimento invejoso de nunca poder vir a ter a natureza bondosa de Billy; o ódio da bondade é gerado pela inveja que se tem dela. Acho que os filósofos morais deveriam discutir mais este tipo de tema, (...). Em qualquer caso, a literatura fornece claramente um campo imenso para a reflexão moral. Não se trata de um mero acidente o facto de falarmos da "moral da história"."


"Conheci Oliver Sacks através de Jonathan; (...). Numa ocasião, apresentou-me a Robin Williams, que fazia de Sacks na versão cinematográfica de Despertares, o livro de Sacks acerca dos efeitos curativos do L-dopa. O actor estava tão imparável como sempre, fazendo-me uma imitação verdadeiramente espantosa de um condutor de táxi indiano de Londres que na realidade era um físico nuclear. Williams, porém, também me pareceu um homem com um espírito muito lógico e directo; há uma ordem sob todo aquele caos criativo. Trocámos impressões sobre o que, contra todas as expectativas, me tinha levado para a Filosofia e a ele para a comédia de palco (Williams estudava ciência política na faculdade)."

" Já que estou a exibir nomes de estrelas de cinema, (...). Fui por acaso à festa de estreia do filme Conhece Joe Black? por cortesia de um amigo que trabalha no cinema. (...)
Mais tarde naquela mesma noite, também tive uma breve conversa com Anthony Hopkins, (...). Como já tinha observado, dizem muitas vezes que sou parecido com ele, pelo que aproveitei a oportunidade para lhe pedir a opinião. Hopkins olhou-me directamente para a cara durante um longo momento, com as pessoas a andar de um lado para o outro à nossa volta, enquanto ele pesava a pergunta, até que proferiu o seu juízo: «Não, de facto não somos parecidos, apesar de perceber por que possam as pessoas achar isso.» Concordei, dizendo que nunca me tinha ocorrido tal coisa até as pessoas começarem a mencionar o facto. E ele acrescentou, depois de uma pausa significativa, com uma voz que só ele domina: «Bom, talvez em volta dos olhos.» Com olhos nos olhos, acenei a minha concordância, (...)."
in "Como se faz um Filósofo", Colin McGinn