quarta-feira, 7 de março de 2007

Da Felicidade (segundo Henri Michaux)


Michaux, Cópia de Montagem
[ imagem obtida aqui ]

" Às vezes, num repente, sem causa visível, percorre-me um grande arrepio de felicidade.

Vindo dum centro de mim, tão interior que eu o ignorava, ele leva, embora rodando a extrema velocidade, um tempo considerável a alcançar as minhas extremidades.

Esse arrepio é perfeitamente puro. Por mais extensamente que circule dentro de mim, nunca encontra nenhum orgão inferior, nem qualquer outro, de resto, nem encontra ideias, nem sensações, de tal modo é absoluta a sua intimidade.

E tanto Ele como eu estamos perfeitamente sós.

Talvez que, percorrendo todas as partes de mim, ele me pergunte à passagem: "Então, como vai isso? Posso fazer alguma coisa por si, neste sítio?" É possível. E que à sua maneira me console as entranhas. Mas eu não sou posto ao corrente.

Eu gostaria de proclamar a minha felicidade, mas que dizer? É uma coisa tão estritamente pessoal.

Dentro em pouco, o prazer é demasiado intenso. Sem eu dar por isso, no espaço de segundos, torna-se um sofrimento atroz, um assassinato.

A paralisia! digo cá para mim.

Faço depressa alguns movimentos, rego-me com muita água ou, mais simplesmente, deito-me de barriga para baixo, e a coisa passa."
Henri Michaux, As Minhas Propriedades


Henri Michaux (1899-1984)
[ imagem obtida aqui ]

Henri Michaux é, entre os escritores ligados ao surrealismo, um dos que mais aprecio. Também é interessante o seu trabalho de pinturas e desenhos. Sobretudo pela sua enorme originalidade, merece ser recordado.