quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Acredita em Deus? (2)


Retomando a questão, esta interrogação que pode surgir como incómoda, eventualmente desnecessária... parece, no entanto, ser útil para quebrar tabus de origem nebulosa, vaga e, por vezes, inquietante. Neste tempo de surgimento e ressurgimento de diversas religiões ou religiosidades, na era em que todos os fenómenos têm influência à escala global, na época das sociedades da abundância e do consumismo onde algo parece faltar... tudo parece convergir para uma (nova) busca espiritual. Que fundamentos pode ter ou tem esta atitude, que vectores de progresso ou retrocesso ela indica e implica, tudo isto e tanto mais... constitui motivo mais do que suficiente para trazer esta questão à ordem do dia. No mínimo, é razão suficiente para a pensarmos.

Em resposta à questão "Acredita em Deus?", esta é a resposta de Spike Lee (entrevistado por Antonio Monda):
(tornou-se, para mim, um realizador de cinema a não esquecer, desde o dia em que vi "25 th hour" - a não perder)

"Regressemos por um momento ao cinema: qual é o primeiro filme que te vem à ideia em que esteja presente uma forte aspiração espiritual?
- Seguramente, Há Lodo no Cais.
É um grande filme, extremamente controverso...
- A controvérsia e a antipatia com que um certo mundo o vê deve-se à posição de Elia Kazan acerca do maccartismo. Mas isso nada tem a ver com o lado espiritual do filme; antes de mais nada, Há Lodo no Cais é uma história de redenção e salvação contada admiravelmente e com enorme paixão. Como homem de cinema, sempre admirei a grandeza da realização, da interpretação e do argumento de Budd Schulberg. Mas o filme tem sobretudo uma dimensão espiritual, e não esqueçamos que há a figura fundamental do sacerdote, interpretado por Karl Malden. (...)
(...)
O que representa para ti a fé?
- Algo que eu não tenho.
E a religião?
- Algo demasiado humano, que interpreta e por vezes desvirtua a espiritualidade.
(...)
Já alguma vez sentiste a presença de Deus na vida quotidiana?
- Sinto uma presença superior, que não sei se definiria como Deus, quando estou com a minha mulher e os meus filhos. Acredito firmemente na família, (...). E creio que o homem é instintivamente levado para o bem, e sabe o que é certo e o que é errado.
Como explicas então os momentos abomináveis da história, como, por exemplo, o Holocausto e a escravatura?
- Os homens são frágeis e imperfeitos e podem cometer erros terríveis. Tragédias e horrores como os que citaste fazem parte da experiência humana. O homem pode chegar ao bem percorrendo um caminho difícil, ao longo do qual fica exposta toda a sua fragilidade.


Julgas que é possível julgar uma obra prescindindo daquilo que ela conta?
- Sim, embora seja uma coisa que admito com pena.
Que queres dizer?
- Que, por exemplo, Leni Riefenstahl era uma grande realizadora, ainda hoje estudada e imitada (pense-se na Guerra das Estrelas), mas aquilo que contava era abominável. Pense-se também em D. W. Griffith: ninguém discute que O Nascimento de Uma Nação é uma pedra angular, mas é também uma exaltação do racismo mais violento e visceral, e durante a própria realização do filme foram cometidas muitas atrocidades contra as pessoas de cor. (...) Regressando, portanto, ao nosso discurso inicial, penso que a arte representa a tentativa humana de se sublimar, e carrega as fraquezas dos seus autores. Mas o resultado oferece-nos muitas vezes a intuição da perfeição. Talvez mesmo de Deus."
in Acreditas? conversas sobre Deus e a religião, Antonio Monda

( Imagens: "Anjo Ferido" de Hugo Simberg e fotografia de Spike Lee daqui )

domingo, 26 de agosto de 2007

Acredita em Deus? (1)


Esta questão é de sempre e continuará a ser... Há quem se lembre ainda de a colocar abertamente e há também quem lhe dê respostas de interesse inesgotável. Crentes ou não crentes, como saber claramente se o somos ou não? Como descrever a nossa posição face a essa interrogação perene, com as melhores e as mais adequadas palavras? As que traduzam os nossos pensamentos sobre o tema mas também aquelas que espelhem as nossas emoções, face à vida e face ao seu reverso; face a um possível "Criador" ou perante um universo sem nada dessa dimensão...
Esta é a resposta de Michael Cunningham (entrevistado por Antonio Monda) :

"Acredita em Deus?
Vejo que começamos logo pela Grande Pergunta. A parte mais séria de mim mesmo, aquela que está seriamente intencionada a não se deixar apanhar desprevenida por ninguém, diz: «Que esperas? Admite-o: Deus é uma coisa que inventámos para podermos conviver com a consciência da nossa mortalidade.» Os cães e os gatos pensam que vão viver para sempre, e não têm nenhum deus. Não consigo deixar de notar que as únicas espécies conscientes, desde o início, do facto de que um dia deixarão de viver são aquelas que erguem catedrais e organizam procissões com estátuas vestidas com túnicas. Mas, ao mesmo tempo, um universo que não contemple uma inteligência harmónica e superior de qualquer tipo é algo tão estéril... (...) É fácil, especialmente quando envelhecemos, orgulharmo-nos de nós mesmos devido à capacidade que temos de ver através de tudo, mas quando conseguimos ver através de tudo, encontramos o nada. E pergunto-me se eu, ou quem quer que seja, desejarei sincera e realmente ver-me assim tão desiludido por viver num mundo inteiramente desprovido de qualquer elemento de magia ou de mistério...


Michael Cunningham

Quando era criança, tinha um jogo chamado Magic Eight Ball. Era uma bola de plástico, parecida com uma bola de bilhar, mas grande como uma toranja, à qual se podia fazer perguntas, depois de a agitar com força. Numa janelinha de cor violeta apareciam oito respostas diferentes, e lembro-me de que uma delas era: «Resposta nebulosa: tenta mais tarde». Assim, prefiro citar este meu oráculo de infância, e à sua pergunta respondo: «Resposta nebulosa; tente mais tarde». Ou, se quiser que responda à pergunta numa perspectiva ligeiramente mais adulta: suspeito de que existem relações profundas e ainda não descobertas entre Deus e os princípios da física. E eu acredito na física."

in Acreditas? conversas sobre Deus e a religião, Antonio Monda

(Imagens: "Praying Hands" de Albrecht Dürer e fotografia de Michael Cunningham daqui )

sábado, 18 de agosto de 2007

Da cor... ou não


"(...) É conhecida a acção da luz sobre os corpos e que a cromoterapia utiliza. Tem-se tentado aproveitar a força da cor no tratamento de doenças nervosas. Foi observado que a luz vermelha é tonificante para o coração, e que o azul, pelo contrário, inibe os movimentos e pode mesmo chegar a paralisá-los. Mas, dado que nos animais e até mesmo nas plantas se observam efeitos idênticos, a explicação por associação fica anulada. De qualquer modo, este facto demonstra que a cor exerce uma força real, ainda que mal conhecida, e que pode agir sobre todo o corpo humano.
A associação em si mesma parece-nos insuficiente para explicar a acção da cor sobre a alma. No entanto, a cor é um meio para exercer uma influência directa sobre a alma. A cor é a tecla; o olho, o martelo. A alma, o instrumento das mil cordas.
O artista é a mão que, ao tocar nesta ou naquela tecla, obtém da alma a vibração justa.
A harmonia das cores baseia-se exclusivamente no princípio do contacto eficaz. A alma humana, tocada no seu ponto mais sensível, responde.
A este fundamento, chamaremos o Princípio da Necessidade Interior."
Wassily Kandinsky, Do Espiritual na Arte



Fico sempre espantada comigo mesma no que se refere aos efeitos das cores no meu estado de espírito. É-me difícil imaginar a vida num mundo onde a cor estivesse ausente. Bom, na verdade, sou capaz de imaginar um mundo descolorido mas imagino também, por outro lado, que não sobreviveria muito tempo nele. Adoro as cores e as suas nuances, os seus matizes, as suas possíveis combinações, os seus contrastes... E preciso de tudo isso. Existem terapias espontâneas!
No entanto, assim como preciso das cores e das suas tonalidades, também sinto grande afinidade com o universo do «somente preto e branco»... Suponho que, em cada caso, tudo se relacione com o jogo existente entre os diversos elementos presentes e que contribuem para o efeito do chamado prazer estético. O prazer da cor, certamente, e o prazer... ora da ausência total de luz, ora da presença de luz pura, assim como o jogo dos seus contrastes.
Um bom exemplo, deste último tipo de fruição estética, é o caso dos filmes a preto e branco. Sendo filmes dignos de registo, nunca deixam de ser elegantes e especiais, resultando num genuíno prazer do olhar. Resulta este último deleite, provavelmente, de uma simbólica prática conceptual pela qual se realiza uma pura ruptura cromática com o real (i.e.uma abstracção). Real este que é, apesar de tudo, essa nossa dimensão onde o jogo da luz e da cor pode ser, de forma imediata, uma fonte inesgotável de prazer para a nossa percepção.
Cabe à arte alargar os horizontes da percepção humana, a cores ou a «preto e branco»... Na verdade, só pela arte tudo se torna possível...

(Imagens: pinturas de Kandinsky, Estudo da Cor e Trente )

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Praias

Uma praia é um dos lugares onde se deveria poder desfrutar da sensação de liberdade.
A praia que admiro é algo assim...como Courbet a pintou e como a magnífica Sophia a "enfeitou".


Liberdade
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen


Como aceitar hoje, sem algum espanto, o facto de que, em tempos, as pessoas procuravam a beira-mar, passeando e fazendo vida social, completamente vestidas, a rigor e a preceito?! Outros tempos, outras sensações, vividas com a mesma intensidade, certamente. Mas tão longe do visual bronzeado que agora é admirado...!

(Imagens: pinturas de Gustave Courbet e de Eugène Boudin)

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

10 Filmes: 10 realizadores

Uma boa forma de repensar o cinema que nos influenciou e que não é possível esquecer de múltiplas formas e por múltiplos motivos é responder ao repto lançado pelo Lauro António Apresenta e pelo Detesto Sopa.

Aqui se seguem 10 filmes e respectivos realizadores que assinalo como dos melhores, mais interessantes e muito especiais, na minha perspectiva. É uma escolha muito pessoal, como não podia deixar de ser, e obedece, portanto, obviamente, a afectos e interesses que se foram criando e desenvolvendo, ao longo do tempo, no que se refere à minha relação com a maravilhosa Sétima Arte.

Foi terrível deixar tantos de fora, nesta selecção! Muito difícil mesmo...Muito, muito, muito difícil mesmo...


Victor Fleming



Luchino Visconti




Elia Kazan




Stanley Kubric




Ingmar Bergman



Woody Allen




Quentin Tarantino




Jane Campion




David Lynch





quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Animação!

Mais um desafio ao qual dá gosto responder! Desta vez veio do "Não há nada como o realmente" e conduz à selecção de séries de animação que consideramos memoráveis... A verdade é que sou fã de animação. Portanto, diverti-me imenso a recordar todas as séries que muita alegria me proporcionaram e que considero admiráveis, enquanto procurava seleccionar 5 para assinalar aqui. É claro que fiquei com imensa pena de não referir todas as outras especiais para mim. Mas... procurando seguir a ideia sugerida por este desafio, aqui ficam as minhas 5 inesquecíveis.

Speedy Gonzales



Woody Woodpecker



Popeye



The Simpsons



The Flinstones


Obrigada pela excelente ideia ao "Não há nada como o realmente"!