domingo, 23 de dezembro de 2007


B
OAS FESTAS!


segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Âmago


Cansada da periferia do universo e do mundo. O caminho do lado de fora parece não ter fim, sentido ou direcção... Procura-se o caminho para o centro e não se acha. As vias entrecruzam-se solenemente. Então, uma porta, uma janela entreaberta dá para o âmago. É preciso contorná-lo.
O ar inóspito não convida, mas está lá o cerne de tudo. Procurar... procurar... a vida indomável. Quando desponta por magia. Num vermelho que derrete o gelo.



Ir até um qualquer lugar mítico pode ser impossível. Já não temos tempo para procurar entre florestas tristes os sinais de vida. Lugares longínquos e inacessíveis, são isso agora.
Na impossibilidade da viagem, só me resta inventar a minha própria flor...

E o certo é que a voz da Sade aquece qualquer Inverno! Está-lhe no âmago.
Sim, é verdade, gosto da música. Sobretudo porque está frio. E as flores raro despontam em lugares absolutamente gelados. Muito menos, os frutos.

"Só o ter flores pela vista fora
Nas áleas largas dos jardins exactos

Basta para podermos

Achar a vida leve."

Ricardo Reis

domingo, 9 de dezembro de 2007

O mundo...


Às vezes, nada se diz. Nada se mostra. O que se pensa. O que se sente. É quando tudo nasce em silêncio. A palavra sente-se vã. A imagem também. Da sua nulidade colhe-se o seu peso com gravidade.
Às vezes, diz-se. Às vezes, mostra-se. O que se pensa. O que se sente. É quando tudo se faz palavra. Imagem. Som. Tentativa de sentido. A ilusão da revelação tem força. Desta força colhe-se desejo de transformar. Ao dizer, ao mostrar... o que se pensa, o que se sente.

Hoje, eu sinto: mesmo que diga o que penso, o que sinto... O mundo não vai mudar.
Mesmo assim, às vezes, digo. Mostro. Pela atracção do abismo....... que é a palavra pela qual se diz. Pelo instante da imagem... que é a força da síntese com que se mostra. Pelo chamamento da sonoridade... que é a música, pormenor da sensibilidade.
Não creio mudar o mundo.
Creio apenas estar no mundo.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Drama chic



Fui ver este filme sem qualquer referência prévia. Não sabia quase nada sobre ele, a não ser o título português (de que não gosto, acho preferível Crepúsculo em vez de Ao Anoitecer).
Às vezes, acontece ir ao cinema assim. Sem informação antecipada.
Deparei-me com um elenco repleto de nomes sonantes do cinema e com o nome de Michael Cunningham no argumento. Escritor que tenho em grande conta.
Pode ler-se um pouco mais sobre os detalhes do filme e respectiva sinopse aqui
ou aqui
Pelo que pude averiguar, o filme é classificado por muitos com a categoria de "drama chic". Embora me pareça uma designação algo pejorativa, acho que lhe assenta muito bem. É um drama e todo ele chic. Entre outras razões, porque se passa no ambiente da alta sociedade norte-americana, neste caso, de Newport. Por outro lado, ainda antes da referência feita no filme ao "Grande Gatsby" de F.S. Fitzgerald, já o ambiente me tinha recordado um pouco essa atmosfera de decadência e conflitos mal-resolvidos, onde a riqueza, o poder e os excessos são uma constante.
Até aqui, tudo bem. Mas concordo com a designação de drama chic por outros motivos mais fortes, quanto a mim. Embora o drama seja real e se aplique a qualquer um de nós, se o quisermos... As variações podem ser infinitas, o esquema é o da vida humana... perene... Apesar de tudo isso, o certo é que é um drama carregado de beleza "perfeita", de beleza elitista. A crueza da realidade que se enfrenta não condiz com a sufocante perfeição idílica dos cenários.
Drama chic ou não, foi isso que não gostei no filme. O contraste altamente pessimista entre o idílio de um passado romântico de maravilhas dignas de "pacotes de viagens a lugares de sonho" e o terminus da vida, num quarto, numa cama que é conotada com o fim e com uma prisão física, um lugar onde o sol mal chega a entrar... Todo o filme decorre neste alternar de ambientes carregados de mensagens subliminares. Uma visão pessimista que gera um filme pessimista. E melodramático. Induz as lágrimas sentidas, mas conscientes de que houve muito de manipulação nesse efeito secundário. Uma mistura de "Grande Gatsby" e de romance tipo Nicholas Spark ("O Diário da Nossa Paixão", por ex.), se é que é permitido misturar dois produtos de qualidades tão distintas.

No entanto, existem aspectos positivos e para isso talvez contribua o toque Michael Cunningham. Algumas das grandes questões humanas que não podem deixar de tocar mesmo o mais empedernido dos corações. A retrospectiva de uma vida e o peso existencial da mesma... O ciclo de um percurso que se cumpre da juventude até à morte, onde os erros não são erros mas opções com consequências... O desejo de voltar atrás e reviver, refazendo tudo outra vez de outra forma... A sempre complexa relação entre pais e filhos (aqui, entre mãe e filhas)... A tristeza pelo que não se viveu e a paz na aceitação do que se escolheu... Tudo muito denso, profundo, sério, filosófico e bastante doloroso de enfrentar. Muito de acordo com o magnífico estilo de Michael Cunningham que também consegue sempre revelar o conhecimento minucioso das nuances da "alma" feminina.
A minha cena preferida (há muitas boas que podem ser vistas por aqueles que optarem por ver o filme e que foram vistas por aqueles que já o visionaram) é a do fim do filme. Infelizmente, não encontrei a respectiva imagem.
Não pude deixar de pensar numa determinada concepção de alma, algo pessimista (o que vai bem com o clima criado) e que está presente em várias cenas, especialmente na do desfecho. A da alma-sopro. Uma ideia de alma que remonta a Homero e que na última cena perpassa a mensagem final, ao deixar entrar uma brisa forte pelas janelas do quarto, agitando as cortinas brancas, no momento da morte de Ann... Não inovadora, mas bem feita. E sempre uma recriação interessante.
Nesse exacto momento, tornou-se-me presente a passagem do Fédon de Platão, quando Cebes, dirigindo-se a Sócrates, diz:
"(...) quanto, porém, se refere à alma, é objecto de grande incredulidade para os homens, que suspeitam não existir em parte alguma, depois de se separar do corpo, e que, no dia da morte, é destruída e perece com ele. Apenas se separa e sai do corpo, imaginam, esvai-se como hálito ou fumo e, esvaída deste modo, não existe em nenhum lugar."

Um outro aspecto interessante (e forte) do filme é o de possuir muitos actores dignos de nota. Nomes mais do que afirmados. E outros que prometem. Gostei muito da Claire Danes e não pude deixar de encontrar o estilo Paul Newman em Patrick Wilson. Mas é de assinalar a filha de Meryl Streep (a qual ainda não conhecia). As semelhanças são evidentes e quanto ao talento no representar também se fazem notar. Achei-a logo especial, antes de verificar que se tratava da filha de uma das actrizes de cinema que mais admiro. Um clone natural que mostra ter personalidade própria. Mais uma vez, a relação mãe-filha(s) que está sempre subjacente neste filme.

Tal mãe...tal filha... !