sábado, 10 de março de 2007

Em Memória


"Espero, descansadamente...
", Ramarago



A casa era longe de tudo. Por entre antigas árvores, irradiava uma estranha luz. Era a casa que habitava na sua memória. Tempos idos, vividos, agora recuperados. Ela via a casa e dirigia-se para ela. A porta meia aberta convidava a entrar. Um passo, dois passos ao luar. Aproximava-se. A noite tremia cheia de estrelas por cima da casa. O coração a bater descompassado. A casa era a dela e nem assim a conhecia. Nem assim sabia qual era exactamente o seu interior. Um frio no estômago, prestes a gelá-la. A força inevitável dos seus passos a avançar. Espreitou. No fundo dos seus olhos, a casa reflectia-se. Empurrou a porta e olhou... Um foco de luz surgiu por entre as sombras. O pai suavemente dormia, rosto encostado à mão, um ser iluminado. Aproximou-se e tocou-lhe ao de leve no braço repousado. Perpassou por si um suave abandono. O mesmo que emanava da casa. Era um momento suspenso no tempo. Onde não há nada a não ser um sono sem sonhos. O encanto de um descanso no silêncio. Tomou devagar a outra mão do pai, esquecida nos recantos do seu sono. Encostou-a ao peito e sentiu o calor do silencioso amor. Como por magia, logo fechou os olhos e adormeceu. Respirava com ritmo. Devagar. Respirava ao ritmo da casa. O pai era a sua alma. Por isso, a casa estava viva.

A.P.