quarta-feira, 18 de abril de 2007

Top 5 Livros-Autores

Em resposta a um desafio lançado pelo Branco.Azul, aqui está, finalmente, o meu Top de 5 Livros-Autores (mais vale tarde que nunca!, certo?).
Foi-me muito difícil fazer esta pequena selecção, tantos são os que gostaria de destacar na minha afeição literária... Mas optei por aqueles aos quais atribuo um significado pessoal especial. Independentemente disso, cada um deles, à sua maneira, possui um valor e um talento extraordinários!


"Se ponho em causa este retrato optimista de Sachs durante aqueles anos, é só porque sei o que se passou mais tarde. Mudanças enormes ocorreram dentro dele e, embora seja muito simples localizar o momento em que essas mudanças começaram - focalizá-lo na noite do acidente e responsabilizar aquele acontecimento bizarro de tudo -, eu já não acredito que essa explicação seja adequada. Será possível alguém mudar numa noite? Poderá um homem adormecer com uma personalidade e depois acordar com outra? Talvez, mas eu não estaria tão inclinado a apostar. Não digo que o acidente não foi grave, mas há mil maneiras diferentes de uma pessoa reagir a um contacto com a morte. O facto de Sachs ter reagido da maneira como reagiu não significa, na minha opinião, que ele tenha tido voto na matéria. Pelo contrário, considero-a um reflexo do seu estado de espírito antes de o acidente ter tido lugar. Por outras palavras, embora parecesse que Sachs andava mais ou menos bem naquela altura, embora ele mal tivesse consciência da sua própria angústia durante os meses e os anos que precederam aquela noite, estou convencido de que andava muito mal. Não tenho qualquer prova que sustente esta afirmação, excepto a prova a posteriori. A maior parte das pessoas ter-se-iam considerado cheias de sorte por sobreviver ao que aconteceu a Sachs e depois não pensariam mais nisso. Mas Sachs não esqueceu, e esse facto - ou, mais precisamente, o facto de não ter podido esquecer - sugere que o acidente não o modificou, antes tornou visível o que havia estado anteriormente escondido. Se estou enganado em relação a isto, então tudo o que escrevi até aqui não tem valor, é uma simples acumulação de conjecturas irrelevantes. Se calhar a vida de Sachs partiu-se em duas naquela noite, dividindo-se distintamente em antes e depois - neste caso, tudo o que vem antes pode ser apagado da história. Mas, se isso for verdade, significaria que o comportamento humano não faz sentido. Significaria que nunca poderemos compreender nada de nada."
Paul Auster, Leviathan



"Quando bruscamente, nas trevas da noite,
Ouvires passar o tropel invisível das vozes puras,
O coro celeste das sublimes harmonias,
Abandonado definitivamente pela fortuna,
Desfeitas em pó as últimas esperanças,
Esvaída em fumo uma vida de desejo.
Ah, não sucumbas lastimando um passado
Que te traiu, mas como um homem
Que se prepara há muito tempo,
Despede-te corajosamente
De Alexandria que te abandona.
Não te deixes iludir e não digas
Que foi sonho ou um logro dos teus sentidos,
Deixa as súplicas e os lamentos para os poltrões,
Abandona vãs esperanças,
E como um homem que se prepara há muito tempo,
Resignado, altivo, como te compete
E a uma cidade como esta,
Abre a janela e olha para a rua
E bebe a taça inteira da amargura
E a derradeira embriaguez da multidão mística
E despede-te de Alexandria que te abandona.
Lawrence Durrell, in O Quarteto de Alexandria, Justine



" A arte dionisíaca exerce, pois, uma dupla influência sobre a faculdade artística do apolíneo: a música incita à visão simbólica da generalidade dionisíaca e, ao mesmo tempo, faz emergir a imagem simbólica com a sua significação mais elevada. (...) a música tem a magia de fazer nascer o mito, o mais significativo dos símbolos, e precisamente o mito trágico: o mito que exprime, em símbolos analógicos, a sabedoria dionisíaca. (...) então, onde deveremos procurar esta expressão senão na tragédia, ou, de uma maneira mais geral, na noção de trágico?
(...) «Creio na vida eterna», eis o que proclama a tragédia, mas é a música que na sua essência é a ideia imediata desta vida."
Nietzsche, A Origem da Tragédia




" O conceito segundo o qual todo o ser racional deve considerar-se como legislador universal por todas as máximas da sua vontade para, deste ponto de vista, se julgar a si mesmo e às suas acções, leva a um outro conceito muito fecundo que lhe anda aderente e que é o de um reino dos fins.
Por esta palavra
reino, entendo eu a ligação sistemática de vários seres racionais por meio de leis comuns. (...)
Seres racionais estão, pois, todos submetidos a esta lei que manda que cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si. (...)
No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.
I.Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes



"Quando o pai morreu, pareceu a si própria que a sua dor não correspondia àquele amor que perdurava nela com uma intensidade que minorava, até, a sensação de perda e de fim. Longe de chorar a sua pena, antes uma grande paz lhe penetrou no coração. Em breve se apresentava faceira e alegre, e o seu carácter abandonou aquela característica de agressividade que tanto desesperava Maria. Porém, o seu espírito, mais do que nunca, vivia a dedicação absoluta do pai, que, tendo morrido, se lhe agregava inteiramente, já não era o homem disperso por todos os prazeres, partilhando amores e cuidados de tantos mais, pertencendo ao mundo e querendo-lhe, acima de tudo, com uma terrível e egoísta paixão. Agora, era apenas dela, nela estava com o seu olhar penetrante e doce e para sempre havia de depender de Quina, da profusa chama da sua recordação."
Agustina Bessa-Luís, A Sibila