segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O que encontro hilariante...


Bom, é verdade, raras vezes me deparo com algo do domínio do verdadeiramente hilariante. Mas quando acontece, fico simplesmente...feliz! Como já se sabe, rir pode ser o melhor remédio. Mas encontrar do que rir pode ser difícil! Ou não. Não, quando nos deparamos com alguém que sabe "caçar" bem as fragilidades dos seres humanos, incluindo as suas. E não importa a idade. O humor pode ser muito espontâneo mas também muito refinado.
Certo, certo é que me tenho rido. E mesmo à gargalhada! Valham-me coisas destas para revigorar a proximidade do Outono, os dias mais pequenos, no que se refere a luz solar. Mas maiores quanto a tarefas e obrigações...
Há pequenas coisas da vida que dão infinito prazer. E quando o hilariante coincide com o pertinente: eis o brilhante!

O que vale a pena,
vale...

"(...) saía eu da loja de novidades Hammacher Schlemmer, consumido pela indecisão entre comprar uma prensa de patos computorizada ou a melhor guilhotina portátil do mundo, quando embati, qual Titanic, num velho icebergue que conhecera na faculdade, o Max Endorfina. (...) lançou-se no relato da sua recente boa estrela.
-O que eu te posso dizer, meu menino, é que acertei em cheio. Entrei em contacto com o meu eu espiritual interior, e a partir daí foi só farturar.
-És capaz de ser mais específico? - inquiri (...).
-Se calhar não devia estar para aqui a palrar com alguém de frequência inferior, mas, sendo nós velhos amigos...
-Frequência?
-Estou a falar de dimensões. Aqueles de nós que se movimentam nas oitavas superiores são aconselhados a não esbanjar iões saudáveis em trogloditas mortais, no rol dos quais tu te incluis - sem ofensa. (...)
Ainda me beliscava quando Endorfina deu início à sua história.




- OK - disse ele. Flashback para há seis meses atrás, quando o rapazinho da Sra. Endorfina, aqui o Max, andava em bolandas, emocionalmente falando, devido a uma série de atribulações, (...). Primeiro, uma coisinha fofa da Formosa a quem eu andava a dar um curso de anatomia hidráulica dá-me com os pés, trocando-me por um aprendiz de pasteleiro; de seguida, sou processado numa soma equivalente a muitos presidentes mortos por fazer marcha atrás com o meu Jaguar contra uma Sala de Leitura de Cientologia. Acrescente-se a isso que o meu único filho de um anterior holocausto conubial desiste do seu lucrativo escritório de advocacia para se tornar ventríloquo.

Por isso, ali estava eu, deprimido e assustado, esquadrinhando a cidade em busca de uma raison d'être, um centro espiritual, por assim dizer, quando, subitamente, saído do éter, deparo com um anúncio no último número da Vibes Illustrated. Um estaminé tipo spa, que faz a liposucção do nosso mau karma, conduzindo-nos a uma frequência superior, na qual podemos por fim exercer o nosso controle sobre a natureza, à la Fausto. Como regra geral, não sou muito dado a morder o isco em esquemas manhosos destes, (...) digo cá para comigo: o que é que pode correr mal? Ainda por cima é de borla. Não pedem guito. O sistema baseia-se numa variante da escravatura, mas, em troca, recebemos uns cristais que nos concedem certos e determinados poderes, e toda a erva-de-São-João que sejamos capazes de engolir. Ah, não estou a mencionar que ela humilha-nos. Mas faz parte da terapia. (...)

É claro que fui o bombo da festa durante um bocado, mas, deixa-me dizer-te, aquilo anulou-me o ego. De repente, apercebi-me de que tinha vivido em vidas anteriores - primeiro como um simples burgomestre, e depois como Lucas Cranach, o Velho... ou não, já não me lembro, talvez fosse o Puto. Mas enfim, quando dou por ela, acordo na minha enxerga grosseira e a minha frequência, upa-upa na estratosfera. Tenho, tipo, um nimbo em redor do meu ócciput e sou omnisciente. Quero dizer, acerto finalmente no duplo em Belmont e ao fim de uma semana já reúno multidões de cada vez que apareço no Bellagio em Las Vegas. Se calha estar inseguro acerca dum cavalo, ou se estou indeciso em pedir cartas ou passar, no blackjack, há um consórcio de anjos com quem entro em contacto. Naquela, lá porque alguém tem asas e é feito de ectoplasma, não quer dizer que não possa dar palpites. (...)

-E ela não se faz pagar por esse serviço? - inquiri, com o coração a abrir as asas como um falcão-peregrino.
-Bem, sabes como é, os avatares são assim. São todos uns bacanos.

Nessa noite, (...) dei comigo a voar para oeste, em direcção ao Centro da Ascensão Sublime e à sua divindade residente, (...).
-Quer dizer, queres entrar em contacto com o teu centro espiritual.
-Exactamente. Queria aumentar de frequência, e queria ser capaz de levitar, teletransportar-me, desmaterializar-me, e possuir suficiente omnisciência para adivinhar antecipadamente os numerais aleatoriamente seleccionados que constituem a lotaria do Estado de Nova Iorque.



(...) As humilhações sucediam-se como parte de um ritual de purificação do ego e, finalmente, quando foi decretado que eu iria fazer amor com uma sacerdotisa kármica que era uma sósia do Bill Parcell, decidi que estava na hora de encerrar a actividade. Rastejando de costas sob a vedação de arame farpado, dei de frosques a meio da noite e mandei parar o último 747 para o Upper West Side.

-E então - disse a minha mulher, com a tolerância benigna de quem se dirige a alguém prematuramente senil -, desmaterializaste-te e teletransportaste-te para aqui, ou isso é um guardanapo de cocktail da Continental Airlines(...)?
-Não fiquei tempo suficiente para isso - respondi, (...), mas suei o suficiente para aprender este pequeno tour de force. - E isto dizendo, pus-me a levitar quinze centímetros acima do soalho, pairando, enquanto a boca dela se lhe abria como a do protagonista no Tubarão. (...)
-Os teus amigos de baixa frequência simplesmente não percebem - disse eu, (...). Foi neste momento que comecei a aperceber-me de que não conseguia descer (...).

Segundo as últimas notícias que me chegaram, Max Endorfina desmaterializou-se para nunca mais se rematerializar. Quanto a Galaxie Sunstroke e ao seu Centro de Ascensão Sublime, dizem os rumores que foram desmantelados por inspectores das Finanças e posteriormente reencarnados - ou terá sido reencarcerados? (...)."

in Errar é humano - flutuar é divino, Woody Allen, Pura Anarquia

(Imagens: daqui daqui
e daqui )