Termino (por agora...) esta minha pequena reflexão sobre o "divino" com uma última referência, desta vez a Paul Auster. Que responde ele a esta questão, como se posiciona face ao tema...? Assinalo que, apesar de toda a minha admiração por ele, como desde sempre tem ficado evidente, apesar disso e embora concorde inteiramente com muitas das apreciações que faz... a minha posição, relativamente ao tema, situa-se na linha da de Michael Cunningham.
O tema ou a hipótese da transcendência não é de hoje, obviamente. É de sempre. O que significa um alheamento profundo do passado, mas também da actualidade, não o pensarmos renovadamente. O fenómeno religioso tem hoje implicações novas, por exemplo, ligadas à violência. Novas embora reproduzindo, em grande medida, o passado. Passado este no qual, em nome de Deus, se incrementou a violência a vários níveis. O modo como ela hoje lhe está associada tem outros contornos, os da nossa época.
Nem a propósito, oiço a notícia de que deflagrou nova polémica a propósito de uma caricatura sobre o islamismo, desta vez na Suécia. Como encarar este tipo de acontecimentos? E sobretudo, como viver em paz?
Por outro lado, e relativamente ao mesmo, temos agora acesso a novos escritos da Madre Teresa de Calcutá, pelos quais ficamos a saber que inúmeras vezes se interrogou e chegou a duvidar da existência de Deus. O livro está aí muito em breve mesmo, e é mais um convite à reflexão sobre o tema. Acreditar pode implicar justificações, mas não acreditar também as pode exigir. É o que penso.
Diz Paul Auster acerca de Deus e da religião (entrevistado por Antonio Monda):
"Passemos sem rodeios à pergunta fundamental: acreditas que Deus existe?
- Não, não acredito. Mas isso não quer dizer que não considere a religião um elemento culturalmente fundamental da existência.
Porque definiste a religião como um elemento fundamental da existência?
- Porque só um ignorante poderia dizer o contrário, e basta estudar a história para nos darmos conta disso. No que me diz respeito, quis aprofundar o Antigo e o Novo Testamentos e confrontar-me com aquilo que eles ensinam.
(...)
O que foi que, a partir dos catorze anos, deixou de te convencer?
- O facto de existir um ser omnipotente responsável por todas as coisas criadas. Mas tive - e continuo a ter - muitos problemas com a religião organizada.
Julgas que se trata de uma coisa negativa?
- Não em si mesma. No entanto, creio que as religiões se mancharam, cada uma na sua própria história, com muitos erros. Pense-se em quantas vezes foi usado o nome de Deus para conquistar ou para matar. Pense-se na Inquisição, na expulsão dos judeus de Espanha, ou nos conflitos entre hindus e muçulmanos. Hoje, nas religiões, assusta-me a tendência fundamentalista e vejo à minha volta um mundo cada vez mais cheio de fanáticos. O problema do absolutismo é que nos leva a ficarmos convencidos de que somos depositários da verdade. Quando partimos desse pressuposto, abrimos a porta a algumas prevaricações e desumanizamos os que são diferentes de nós.
(...)
Quais são os efeitos benéficos [da religião] que mais aprecias?
- O conforto que a religião pode dar a quem se sente angustiado perante o sofrimento ou o mistério. Mas também este aspecto traz consigo o risco da ilusão.
O tema ou a hipótese da transcendência não é de hoje, obviamente. É de sempre. O que significa um alheamento profundo do passado, mas também da actualidade, não o pensarmos renovadamente. O fenómeno religioso tem hoje implicações novas, por exemplo, ligadas à violência. Novas embora reproduzindo, em grande medida, o passado. Passado este no qual, em nome de Deus, se incrementou a violência a vários níveis. O modo como ela hoje lhe está associada tem outros contornos, os da nossa época.
Nem a propósito, oiço a notícia de que deflagrou nova polémica a propósito de uma caricatura sobre o islamismo, desta vez na Suécia. Como encarar este tipo de acontecimentos? E sobretudo, como viver em paz?
Por outro lado, e relativamente ao mesmo, temos agora acesso a novos escritos da Madre Teresa de Calcutá, pelos quais ficamos a saber que inúmeras vezes se interrogou e chegou a duvidar da existência de Deus. O livro está aí muito em breve mesmo, e é mais um convite à reflexão sobre o tema. Acreditar pode implicar justificações, mas não acreditar também as pode exigir. É o que penso.
Diz Paul Auster acerca de Deus e da religião (entrevistado por Antonio Monda):
"Passemos sem rodeios à pergunta fundamental: acreditas que Deus existe?
- Não, não acredito. Mas isso não quer dizer que não considere a religião um elemento culturalmente fundamental da existência.
Porque definiste a religião como um elemento fundamental da existência?
- Porque só um ignorante poderia dizer o contrário, e basta estudar a história para nos darmos conta disso. No que me diz respeito, quis aprofundar o Antigo e o Novo Testamentos e confrontar-me com aquilo que eles ensinam.
(...)
O que foi que, a partir dos catorze anos, deixou de te convencer?
- O facto de existir um ser omnipotente responsável por todas as coisas criadas. Mas tive - e continuo a ter - muitos problemas com a religião organizada.
Julgas que se trata de uma coisa negativa?
- Não em si mesma. No entanto, creio que as religiões se mancharam, cada uma na sua própria história, com muitos erros. Pense-se em quantas vezes foi usado o nome de Deus para conquistar ou para matar. Pense-se na Inquisição, na expulsão dos judeus de Espanha, ou nos conflitos entre hindus e muçulmanos. Hoje, nas religiões, assusta-me a tendência fundamentalista e vejo à minha volta um mundo cada vez mais cheio de fanáticos. O problema do absolutismo é que nos leva a ficarmos convencidos de que somos depositários da verdade. Quando partimos desse pressuposto, abrimos a porta a algumas prevaricações e desumanizamos os que são diferentes de nós.
(...)
Quais são os efeitos benéficos [da religião] que mais aprecias?
- O conforto que a religião pode dar a quem se sente angustiado perante o sofrimento ou o mistério. Mas também este aspecto traz consigo o risco da ilusão.
No início do livro, o Nathan de As Loucuras de Brooklyn procura «um fim silencioso para a minha vida triste e ridícula», enquanto que, no final, se proclama «o homem mais feliz que alguma vez viveu». De um ponto de vista de percurso interior, o que há aqui de diferente do que acontece ao George Bailey de Do Céu Caiu Uma Estrela?
-O facto de a proclamação de felicidade de Nathan acontecer na manhã do dia 11 de Setembro, poucos minutos antes dos ataques terroristas.
O filme de Capra não exclui de todo novas dores ou novas tragédias.
- Sei-o muito bem, mas ele era católico e sabia o que eram a graça e a providência. Eu, em contrapartida, vejo na coincidência entre as declarações de felicidade e a iminência da tragédia um mistério insondável."
Sobre Antonio Monda: Docente de Realização Cinematográfica na Universidade de Nova Iorque, colabora na secção de cultura do jornal italiano La Repubblica e é crítico cinematográfico de La Rivista dei Libri. Realizador de documentários e uma longa metragem (Dicembre), é também organizador de festivais e eventos no Guggenheim Museum e noutras importantes instituições culturais dos Estados Unidos.
(Imagens: "Promessas" de José Malhoa e fotografia de Paul Auster - autor desconhecido)
-O facto de a proclamação de felicidade de Nathan acontecer na manhã do dia 11 de Setembro, poucos minutos antes dos ataques terroristas.
O filme de Capra não exclui de todo novas dores ou novas tragédias.
- Sei-o muito bem, mas ele era católico e sabia o que eram a graça e a providência. Eu, em contrapartida, vejo na coincidência entre as declarações de felicidade e a iminência da tragédia um mistério insondável."
Sobre Antonio Monda: Docente de Realização Cinematográfica na Universidade de Nova Iorque, colabora na secção de cultura do jornal italiano La Repubblica e é crítico cinematográfico de La Rivista dei Libri. Realizador de documentários e uma longa metragem (Dicembre), é também organizador de festivais e eventos no Guggenheim Museum e noutras importantes instituições culturais dos Estados Unidos.
(Imagens: "Promessas" de José Malhoa e fotografia de Paul Auster - autor desconhecido)