A tua voz diz-me que há um caminho para o paraíso. Usando uma escada-invocação.
Peguei na esplêndida ideia e ergui a escada. Gerei uma espécie de invocação. Do amor, da vida, da alegria. Tentei subi-la imperturbável e projectada na fantasia. Estendendo a mão ao paraíso. Com esse toque especial da imaginação, o paraíso inventou-se hora a hora, diante de mim: nenhum lugar espiritual, nenhum lugar material. Um lugar outro como não existia até então. Com uma entrada guardada por um dragão.
E a escada tão frágil, tão desejada, uma escada desenhada e recortada em papelão. Levantada ali por um ladrão. Levantada por mim. Encostada a nada. E que não leva a nada. A não ser ao paraíso. E que não leva a nada. A não ser ao que é preciso para viver quando não se sabe existir sem um pouco de paraíso.
Claro que é possível subir a escada da tua magnífica ideia. Eu subi-a. Claro que me estatelei no chão. Difícil a duradoura suspensão numa escada de papelão. A suportar o meu peso sujeito à gravidade aqui na terra. A lei da gravidade aplica-se em todos os sentidos, físico...e até espiritual. Há sempre alguma coisa que nos obriga a olhar cá para baixo.
Vislumbrei o paraíso e quando estendi a mão para abrir a porta e entrar, toquei nele. Toquei nessa quase-irreal atmosfera. Senti o seu calor flamejante, a sua humidade algo etérea, a sua invocação tão intensa, a sua imperiosa revolução... Até que a escada caiu.
Uma escada precisa sempre de equilíbrio. Muito mais se é de papelão. E não havia ninguém cá em baixo que ajudasse a segurar a escada. Só lá em cima, o dragão. Na sua imponência mitológica, guardando as portas do paraíso. Permitindo apenas um acesso intermitente, entre uma labareda de fogo e outra, ao abrir a boca.
Agora tenho os pés no chão. Pode ser que leve a mais que a nada... Mas eu só conheço, tal como tu, esse caminho do paraíso!
(imagem: Laura Anderson Barbata, Consuelo)