domingo, 4 de novembro de 2007

Ciro, o Grande


"Bem-vindo, peregrino, tenho estado à tua espera.
Perante ti jaz Ciro, Rei da Ásia, Rei do Mundo.
Tudo o que resta de mim é pó.
Não me invejes."
Inscrição no túmulo de Ciro, o Grande, em Pasárgadas

Nunca fui muito organizada nas minhas leituras, é verdade. A não ser por necessidade profissional, onde imponho a regra e a ordem, nas leituras paralelas de alguns tempos livres, gosto de seleccionar bastante ao acaso o que leio. Ao sabor do momento. E misturo sempre muitas leituras.
Ultimamente, e por diversas razões, oiço falar muito do Irão. Subitamente, concluí conhecer muito pouco deste país e da sua cultura. O Irão é a antiga Pérsia. Detentor(a) de uma cultura milenar e riquíssima. Portanto, "impunha-se", no mínimo, uma pequena leitura. Pelo menos, foi isso que me ditou o momento.

De facto, nestes últimos tempos, não tenho lido muito. Pelo menos, não tanto como é meu hábito. Acho que quanto a isto também não devem existir verdadeiras imposições. A leitura deve ser sempre o prazer de a querer fazer. E é por ser um dos meus maiores prazeres que nunca a abandono, por pouco tempo de que disponha ou mesmo quando atravesso uma fase mais contemplativa e reflexiva.

Posto isto, a minha leitura mais recente foi um livrinho sobre o Irão. Daqueles que nos dão um panorama rápido mas muito bem "construído". Vários factos interessantes chamaram a minha atenção. Mas foi a personagem de Ciro, o Grande (560-530 a.c.), que imediatamente me cativou. Desde logo, a inscrição no seu túmulo e que acima transcrevi. Parece-me admirável, profunda e grandiosa. Ferozmente carismática. Simultaneamente humilde. Uma personagem do passado, entre outras, que faz pensar. Por isso, aqui fica a nota. E mais alguma informação sobre...

"Ciro II foi rei do povo persa aqueménida que daria pouco depois o nome à primeira dinastia, a Aqueménida. (...) Ciro construiu uma enorme máquina militar admiravelmente disciplinada.
(...)
Ciro não foi só um líder militar brilhante; foi também um dos reis mais notáveis da História Antiga. Numa época em que a realeza parecia largamente definida pelo uso da força, Ciro destaca-se como um líder esclarecido, tolerante e sábio."

"Ciro tem uma aura incomparável de justiça e sabedoria no mundo antigo. Mesmo que só metade do que é dito a seu respeito seja verdade, então ele deu um exemplo de liderança esclarecida, rara até nos dias de hoje. O historiador grego Xenofonte escreveu um livro sobre Ciro chamado Ciropédia, que Alexandre, o Grande, terá tido à sua cabeceira, juntamente com a Ilíada de Homero e um punhal.
De acordo com o historiador romano Heródoto, Ciro prometeu: «respeitar as tradições, costumes e religiões das nações do meu império e nunca deixarei nenhum dos meus governadores e subordinados desprezá-las ou insultá-las(...). Não imporei a monarquia em nação alguma. Cada uma é livre de aceitá-la, e se alguma delas a rejeitar, determino que nunca reinarei pelo uso da guerra.»
Parte do seu sucesso militar foi devido ao facto de ter sido visto pelos povos invadidos mais como um libertador do que um conquistador. A conquista de Babilónia em 539 a.c. foi um caso típico. Quando Ciro chegou a Babilónia foi recebido com flores. Na Bíblia, aparece aclamado como o Messias que iria finalmente libertar o povo judeu do cativeiro dos reis Babilónios."

Ciro, o Grande (imperador persa)

"Para assegurar que o povo da Babilónia foi bem tratado, ele deixou estas palavras famosas inscritas numa pedra: «Eu sou Ciro, Rei da Babilónia, Rei da Suméria, Rei da Acádia, Rei de quatro países(...). O meu grandioso exército entrou pacificamente em Babilónia e não deixei que nenhum mal chegasse à terra da Babilónia e ao seu povo. Os modos respeitosos dos babilónios ensinaram-me (...) e eu ordenei que todos devem ser livres de adorar o seu deus sem prejuízo algum. Ordenei que nenhum lar fosse destruído e que nenhuma propriedade fosse tomada.»
Esta pedra, chamada Cilindro de Ciro, foi descoberta na Babilónia em 1879 e é agora largamente reconhecida como a primeira carta régia dos direitos humanos do mundo. Em 1971, as Nações Unidas traduziram-na para todas as suas línguas oficiais e colocaram essas traduções num lugar de destaque no edifício das Nações Unidas em Nova Iorque."

"Quando a defensora dos direitos humanos iraniana, Shirin Ebadi, recebeu o Prémio Nobel da Paz em 2003, declarou: «Sou uma iraniana descendente de Ciro, o Grande, o mesmo imperador que há 2500 anos proclamou do mais alto do seu poder "... que não reinaria se o povo não o desejasse", e que prometeu não obrigar ninguém a mudar a sua religião e a sua fé e garantiu a liberdade para todos.»"
excertos de O Irão, John Farndon

Pareceu-me igualmente importante, por outras razões, considerar o conceito de farr, o qual pode traduzir-se por carisma. A sua origem está ligada à figura de Zoroastro, a qual exerceu uma influência poderosa no nascimento da Pérsia. Na verdade, acabou por influenciar todo o mundo ocidental. E influencia, também e sobretudo, a forma como os iranianos vêem os seus líderes actualmente.
De acordo com Zoroastro, a noção de farr implica que um governante, como qualquer outro homem, possa prescindir da orientação divina, se assim entender. Mas, se o fizer, perde o farr, ou seja, o divino auxílio que lhe confere o direito de governar.
Um conceito cuja justificação está longe de ser consensual, certamente... Mas fundamental para compreender o Irão actual.

(Imagens: resultados de pesquisa no Google)