sábado, 18 de agosto de 2007

Da cor... ou não


"(...) É conhecida a acção da luz sobre os corpos e que a cromoterapia utiliza. Tem-se tentado aproveitar a força da cor no tratamento de doenças nervosas. Foi observado que a luz vermelha é tonificante para o coração, e que o azul, pelo contrário, inibe os movimentos e pode mesmo chegar a paralisá-los. Mas, dado que nos animais e até mesmo nas plantas se observam efeitos idênticos, a explicação por associação fica anulada. De qualquer modo, este facto demonstra que a cor exerce uma força real, ainda que mal conhecida, e que pode agir sobre todo o corpo humano.
A associação em si mesma parece-nos insuficiente para explicar a acção da cor sobre a alma. No entanto, a cor é um meio para exercer uma influência directa sobre a alma. A cor é a tecla; o olho, o martelo. A alma, o instrumento das mil cordas.
O artista é a mão que, ao tocar nesta ou naquela tecla, obtém da alma a vibração justa.
A harmonia das cores baseia-se exclusivamente no princípio do contacto eficaz. A alma humana, tocada no seu ponto mais sensível, responde.
A este fundamento, chamaremos o Princípio da Necessidade Interior."
Wassily Kandinsky, Do Espiritual na Arte



Fico sempre espantada comigo mesma no que se refere aos efeitos das cores no meu estado de espírito. É-me difícil imaginar a vida num mundo onde a cor estivesse ausente. Bom, na verdade, sou capaz de imaginar um mundo descolorido mas imagino também, por outro lado, que não sobreviveria muito tempo nele. Adoro as cores e as suas nuances, os seus matizes, as suas possíveis combinações, os seus contrastes... E preciso de tudo isso. Existem terapias espontâneas!
No entanto, assim como preciso das cores e das suas tonalidades, também sinto grande afinidade com o universo do «somente preto e branco»... Suponho que, em cada caso, tudo se relacione com o jogo existente entre os diversos elementos presentes e que contribuem para o efeito do chamado prazer estético. O prazer da cor, certamente, e o prazer... ora da ausência total de luz, ora da presença de luz pura, assim como o jogo dos seus contrastes.
Um bom exemplo, deste último tipo de fruição estética, é o caso dos filmes a preto e branco. Sendo filmes dignos de registo, nunca deixam de ser elegantes e especiais, resultando num genuíno prazer do olhar. Resulta este último deleite, provavelmente, de uma simbólica prática conceptual pela qual se realiza uma pura ruptura cromática com o real (i.e.uma abstracção). Real este que é, apesar de tudo, essa nossa dimensão onde o jogo da luz e da cor pode ser, de forma imediata, uma fonte inesgotável de prazer para a nossa percepção.
Cabe à arte alargar os horizontes da percepção humana, a cores ou a «preto e branco»... Na verdade, só pela arte tudo se torna possível...

(Imagens: pinturas de Kandinsky, Estudo da Cor e Trente )