- OK - disse ele. Flashback para há seis meses atrás, quando o rapazinho da Sra. Endorfina, aqui o Max, andava em bolandas, emocionalmente falando, devido a uma série de atribulações, (...). Primeiro, uma coisinha fofa da Formosa a quem eu andava a dar um curso de anatomia hidráulica dá-me com os pés, trocando-me por um aprendiz de pasteleiro; de seguida, sou processado numa soma equivalente a muitos presidentes mortos por fazer marcha atrás com o meu Jaguar contra uma Sala de Leitura de Cientologia. Acrescente-se a isso que o meu único filho de um anterior holocausto conubial desiste do seu lucrativo escritório de advocacia para se tornar ventríloquo.
Por isso, ali estava eu, deprimido e assustado, esquadrinhando a cidade em busca de uma
raison d'être, um centro espiritual, por assim dizer, quando, subitamente, saído do éter, deparo com um anúncio no último número da
Vibes Illustrated. Um estaminé tipo
spa, que faz a liposucção do nosso mau
karma, conduzindo-nos a uma frequência superior, na qual podemos por fim exercer o nosso controle sobre a natureza,
à la Fausto. Como regra geral, não sou muito dado a morder o isco em esquemas manhosos destes, (...) digo cá para comigo: o que é que pode correr mal? Ainda por cima é de borla. Não pedem guito. O sistema baseia-se numa variante da escravatura, mas, em troca, recebemos uns cristais que nos concedem certos e determinados poderes, e toda a erva-de-São-João que sejamos capazes de engolir. Ah, não estou a mencionar que ela humilha-nos. Mas faz parte da terapia. (...)
É claro que fui o bombo da festa durante um bocado, mas, deixa-me dizer-te, aquilo anulou-me o ego. De repente, apercebi-me de que tinha vivido em vidas anteriores - primeiro como um simples burgomestre, e depois como Lucas Cranach,
o Velho... ou não, já não me lembro, talvez fosse
o Puto. Mas enfim, quando dou por ela, acordo na minha enxerga grosseira e a minha frequência, upa-upa na estratosfera. Tenho, tipo, um nimbo em redor do meu ócciput e sou omnisciente. Quero dizer, acerto finalmente no duplo em Belmont e ao fim de uma semana já reúno multidões de cada vez que apareço no Bellagio em Las Vegas. Se calha estar inseguro acerca dum cavalo, ou se estou indeciso em pedir cartas ou passar, no
blackjack, há um consórcio de anjos com quem entro em contacto. Naquela, lá porque alguém tem asas e é feito de ectoplasma, não quer dizer que não possa dar palpites. (...)
-E ela não se faz pagar por esse serviço? - inquiri, com o coração a abrir as asas como um falcão-peregrino.
-Bem, sabes como é, os avatares são assim. São todos uns bacanos.
Nessa noite, (...) dei comigo a voar para oeste, em direcção ao Centro da Ascensão Sublime e à sua divindade residente, (...).
-Quer dizer, queres entrar em contacto com o teu centro espiritual.
-Exactamente. Queria aumentar de frequência, e queria ser capaz de levitar, teletransportar-me, desmaterializar-me, e possuir suficiente omnisciência para adivinhar antecipadamente os numerais aleatoriamente seleccionados que constituem a lotaria do Estado de Nova Iorque.